Na madrugada calada
Não se ouvem gemidos
Não se ouvem gritos
Não se ouvem lamentos
Não se ouvem reclamações
Não se ouvem mentiras
Sussurados para travesseiros
Assistidos por janelas fechadas
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
silêncio
domingo, 30 de outubro de 2011
Respostas
Perguntaram-me o que eu queria
Da vida
Respondi que queria
Uma resposta
O que ela quer de mim?
hábito saudável
uma mão
lavava
outra mão
terminado
pediu
sua justa
retribuição
ao invés
de lavar-lhe
com sabão
meteu-se a outra mão
no bolso
e deu-lhe um tostão
encardido
palco da vida
Eu via o mundo
Como Gagarin
Um jóia rara
Solta no espaço
Do bolso de ninguém
Daquela altura caí
E entendi
A solidez
E sordidez
Do mundo
O sol ilumina
O palco da vida
Que floresce festiva
Em eterno bailar
Das criaturas
A se matar
Máscaras
Mimesis
Dissimulação
Artimanhas
Para o público
Abocanhar
Nunca curti teatro
Gosto de jogos
Lúdicas atividades
Separadas como
Música e poesia
Esse mundo não é pra mim
Ao invés de me adaptar
E mudar de cor
Pintei meu mundo
Com cores novas
Que criei
sentimento
Aqui, agora
Sinto o aroma
Do poema
Que me clama
Aqui, agora
Sinto a claridade
Do sorriso
Que me invade
Aqui, agora
Sinto o farfalhar
De palavras
A se espalhar
Aqui, agora
Sinto a tensão
Da corda
No coração
telepata
Lia pensamentos
Sentia-se abençoado
Mas em pouco tempo
Sentiu-se atormentado
Toda aquela mágoa
Todo temor e ódio
Nem o amor enxágua
Nem dissolvido em óleo
Sujo e maltrapilho
Mudava de canal
O mesmo vazio
Estática sem sal
Espiou lá fora
Um dia de alegria
De si estando fora
Duvidava que via
Em seu alheamento
A razão perdeu
Perdido em pensamentos
Alheios aos seus
Incapaz de conter
Leitura mental
Poesia foi ler
Ficou muito mal
sábado, 29 de outubro de 2011
diálogos insólitos I
-- Leva isso e joga lá no lixo! Ó, até rimou!
-- Você não ri mais!
...
-- ahahahahahaha...
fábula de sobrevivência
Mamãe ovelha ensinava
Em idos anos e terras:
"Comerás somente desta grama"
E a ovelhinha cresceu saudável
Infelizmente
No mundo lá fora
Era rara essa grama
E para não definhar
Ou enlouquecer de fome
Até a morte levar
Passou a comer grana
Ficou inchada de gorda
E de terrível aspecto
Enegrecido
Mas velou por cada familiar
gostos
a triste lagartixa
bem que tentou
em desespero
ofereceu-lhe o rabo
mas o bichano
não era chegado
sem regras
gatos são proibidos
pelas regras do condomínio
a senhoria
disse-me para comprar
um de pelúcia
disse-lhe que de pelúcia
só gosto e compro
boceta vadia
carroça
Cansado da chibata
E da estrada batida
Abatido com a ingratidão
E das chagas e feridas
Sofridas à exaustão
Burro de carga
Zuou e coiceou
Até se livrar da carroça
Sua viseira caiu
Nos olhos de seu captor
Que na estrada prosseguiu
Bufando de raiva
Enquanto o burro de outrora
Por vastos campos pastava
Muito além da velha roça
busca infrutífera
Procurou no mundo inteiro
O que julgava perdido
Dentro de si
Nada encontrou
Nunca houvera perdido
Aquilo que nunca teve
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Senador II
Embaladas com arrojo
Em dourado estojo
Em comemoração a 20 anos
No poder
O senador
Desembrulhou-as ansioso
E comeu-as com tal voracidade
Que, farto de bocetas
A foder
Infartou
Senador I
O velho senador
Fazia merdas homéricas
Fodia com conhecidos e desconhecidos
Esbanjava grana e bom humor
Roubados
Era bem recatado porém
Na vida pública
via sacra
Vários desconhecidos
Seguiam viagem juntos
Não se olhavam
Não se viam
Mas era intenso
E silencioso
O falatório no ar
Em orações trocadas
Com desconhecidos
Vivendo no além
flutuação monetária
Um dia caí
Na lama dos porcos
Que davam-me risos
Em sorrisos bestiais
Um amigo
Ofereceu-me de pronto
Sua mão
Anos depois
Paguei-lhe
Com dadivoso silêncio
E de juros
Uma salva de palmas
Ao fim da apresentação
gozo
Aplaudia efusivamente
A platéia
O fim do espetáculo
Podia finalmente
Manifestar sua barulheira
E gemer em casa
frígida de poesia
A mulher frígida e amarga
Em sua infância sofrida
Foi estuprada
Pela poesia
Sussurava em seus ouvidos
Tenras palavras de amor
Enquanto enterrava bem lá no fundo
Imagens de irreal esplendor
Jamais vividos
Hoje não suporta
Homens chorando
Em versos
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
fome de renome
Costumava distribuir pães
Para famintos aflitos
Meticulosamente preparava a massa
Assava até dourar a vista
E feliz se punha a salvar vidas
Quem comia pedia mais
Sem se importar com outros
E nunca agradecia
Quem não comia via a cena
E secretamente se mordia
Do exibido palhaço
Que se promovia
E não dava pedaço
Cansou
Hoje distribui pedradas
Igualmente
A quem quer e a quem não quer
Não ouve mais reclamações
Fodam-se os famintos
verdades doloridas
jamais consegui agradar a quem quer que fosse
mesmo ao insistente mosquito à noite
ele ao menos não desistiu de mim
mundo imundo
Ê, mundão!
Abri minha janela
Fui tragada para dentro
De tua incoerente mesmice
De nada adiantou
Tapar os ouvidos
A boca e os olhos
Entrou-me pelo reto
De onde jamais devias ter saído!
assuntos proibidos
amor rima com dor
e rimas são constructos grotescos
alicerces frágeis de mentes
ocas de expressividade
aprisionando idéias a arabescos
superficialmente belos
mas dementes
portanto
não me fale
de amor ou de dor
falemos de tudo
e de nada