terça-feira, 22 de novembro de 2011

Diálogos Insólitos II

-- Ninguém mais lê!
-- Eu não sou ninguém, eu sou eu. Se você é ninguém, é problema seu, não meu.

Sonhos

Esta noite tive um sonho
Sonhei que as pessoas sonhavam
Acordadas
Seus sonhos eram tangíveis
E esbarravam nos sonhos de outros
Jardins de coloridas vaginas
Inundados por mares de chocolate
Pôneis e fadas saltitantes
Caçados por ogros e dragões
Um pesadelo
Feito dos melhores sonhos
Acordei
E vi pessoas caminhando na rua
Dormindo

Poeta-mor

O maior poeta
Que jamais viveu
Jamais viveu

sábado, 19 de novembro de 2011

Predileções

Favorito entre favoritos
Meu passatempo predileto
Assistir a meus inimigos
Se esmerando em tomar no reto

Partilha

Cravo meus dedos nessa terra
Com vigor arranco-lhe um naco
Um ato de puro egoísmo
Selvagem e feral
Porém desse meu pedaço
Brotará a esperança
Quando nada mais sobrar

Amanhã

O amanhã chegou
Espiei pela fresta da janela
É igualzinho a ontem
Exceto por ser hoje

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Chacal

O chacal está à espreita
A lua crescente nos olhos
Sons abafados no solo
Patas felpudas ligeiras
Expectativa
Orelhas longas de pé
Nariz esbaforido
Olhos fixos no terror
O rugido crescente da morte
Inevitável

Decepção
Devia ter se adiantado
Do coelho só restou
Carcaça esmagada
Contra trilhas de pneus

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Transcendental

Apreciar um bom chá
Após seu delicado preparo
Ao som do farfalhar do mato

Sorver cada gole
Sem pressa ou sede
Sentada com pés no solo

Pensando no nada
Pesarosa por nada
Precisando de nada

Nada que acaba
Termina sofrimento
Finda vidas
A cada gole

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Cenas urbanas: escada

Mulher
Não sobe
Nem desce
Conversa
Com a própria mão
Apoiada
No corrimão

Recanto

As latinhas empilhadas
de cerveja
Num canto

A louça empilhada
E encardida
Noutro canto

Agruras empilhadas
Sobre seus ombros
Em seu recanto

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Jornada

Galgava paixões
Escalava amores
Em busca da felicidade

Não se deu conta
Dos galhos e caules partidos
Que deixava em seu rastro

Tudo e Nada

Tudo o que escrevo
É nada
Sem ti
A sentir

Conjugado

Naquele conjugado
Exercitava sua habilidade
Extra-conjugal
Conjugando verbos
Em outras pessoas
Em tempos
Curtos

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Chuva

Guarda-chuva em punho
Empurro passantes pela avenida
Torrente de gente
No balé da vida
Pingando moedas
Nos caixas de lojas
Escoando consumo
Sob abóbada cinzenta

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Fortunato

O velhinho balbuciou algo inaudível
Ironizava o próprio nome
Fortunato

A fortuna nunca lhe viera
Tampouco a boa sorte

Mas ali estava ele vitorioso
Cirurgia foi bem sucedida
Para luta de toda uma vida

Mal podia acreditar
Até correr os olhos
Pela conta

O peito ardeu arfante
Ao se dar conta
Da sorte da morte

sábado, 5 de novembro de 2011

terrorismo

No ônibus, o terrorista aproximou-se e sequestrou e torturou vários narizes. Exigia de resgate trocados ou compaixão. Pelos fundos, alguém tomou a iniciativa e atirou 4 moedas porta do ônibus afora; o cadavérico terrorista seguindo em rápida fuga.  As narinas foram libertas, as janelas abertas e todos puderam respirar aliviados após o malfadado e malcheiroso episódio de violência urbana.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

perguntas

Tinha pavor a perguntas

Assistira impotente a execução
De muitos companheiros de guerra
Durante interrogatórios prolongados

Sobreviveu a elas
Fazendo-se de surdo

Choviam ao seu redor
Causando destruição maciça
Enquanto assobiava

Deixou toda a loucura para trás
E formou família

Já velhinho
Foi fuzilado
Pelo insistente netinho
A lhe perguntar
Como assobiar

inatividade

Tomado por súbita fúria
Cessou por completo as atividades

Começando pelas extra-curriculares
Então as sociais
E as econômicas
Logo as familiares
E as de lazer
Por fim as digestivas
E as cardio-respiratórias

Queria provar ao mundo
Pela contundência do silêncio
Que podia ser um lugar melhor
Sem idiotas gritando

O mundo não ouviu
Seu gênio
Ou ausência

fungo

Fustigado pela saudade
Dobrou-se ao meio
Partiu-se em dois
Espancou-se até
Não sobrar nenhum
Reduzido a pó
Enterrou-se em um canto
Obscuro da mente
Umedecido por lágrimas
E suor da rotina
Brotou-se fungo
Alimentando-se do velho cadáver
Almejando ser flor
E alimentar novo amor

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

nada

Sento-me à espera
Do nada

O nada que nos envolve
Nos embala em canções
O nada que nos ri
Nos veste de orgulho
Nos enleva do fracasso

Do nada
Que nos tira tudo
Do nada

O nada que nos espera

Obrigado
De nada

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

represa

Expresso aqui
Meu desgosto
Para com
Expressos
Mau gostos
De rostos
Repressos

Achaduras da alma

Alma partida
Quebrada em mil pedaços
Filigranas doloridas
Retorcidas com estrondo
Explosão que me pariu

Redescobri-me aos poucos
Catando minhas dores
Em facetas escondidas
Agora à mostra
Grifadas por rachaduras

Achados da alma
Que ainda perdura

comentarista inspirado

O inspirado comentarista
Comentava sobre tudo
Tudo o inspirava
A comentar
Sobretudo
O que o inspirava
A inspirar
Mais forte
O ar

velório

Sombras consternadas
Assistem caladas
À consumação
Da luz em nada
Pelo inflamado ego
Da vela deformada